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domingo, 20 de setembro de 2009

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.


Tenho em mim
esse atraso de nascença.


Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.

Meu quintal
É maior do que o mundo.

domingo, 16 de agosto de 2009

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

MATÉRIA DE POESIA




Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia


O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato - os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia

As coisas que não levam a nada
têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima


Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral


O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
- sapatos, adjetivos -
têm muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia


Os loucos de água e estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso


Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta

Pessoas desimportantes
dão pra poesia
qualquer pessoa ou escada


Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para a poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços

As coisas jogadas fora
têm grande importância
- como um homem jogado fora


Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem
nascerem em sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.

sábado, 24 de janeiro de 2009


"O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras.
Fazer coisas desúteis.
Eu queria avançar para o começo.
Chegar ao acriançamento das palavras.

Preciso atrapalhar as significâncias
O despropósito é mais saudável que o solene.


Para limpar as palavras de alguma solenidade
- uso bosta!
Nasci para administrar o à toa, o em vão, o inútil

Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
Quando cheias de areia, de formiga e musgo
- elas podem um dia milagrar de flores
Também as latrinas desprezadas
que servem para ter grilos dentro
- elas podem um dia milagrar violetas
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!"
Manoel de Barros

domingo, 14 de setembro de 2008


A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.(Manoel de Barros)

cine Paradiso

  • Amelie Poulain