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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Entre amigos.




Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.

Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contruído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.

Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.

Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.

Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.


(Martha Medeiros)

A fama dos homens.




Às vezes me pergunto por que os homens não se rebelam. A imagem que se propaga deles é a de seres extremamente racionais e infatigáveis comedores. Não que isso seja negativo, registre-se. Pensar e gostar muito de sexo passa longe da minha lista de defeitos intoleráveis. Aliás, consta da minha lista de qualidades bem-vindas. Mas os homens deveriam se rebelar, pois eles são isso, mas não só isso.
As pessoas mais românticas que eu conheço são homens. Mulheres românticas são poucas: ou estão trabalhando demais, ou ocupadas demais com os filhos, ou preocupadas demais em arranjar um cara que corresponda ao ideal de amor que elas criaram na cabeça. Onde estão as mulheres que se emocioanam com versos, as mulheres que administram suas saudades sem histeria, as mulheres que se apaixonam violentamente pela alma de um homem, e não pelo que ele representa para a sociedade? Que las hay, las hay, mas é nos homens que vejo o amor ser vivido menos amarrado às conveniências.
Nossa cultura machista encobre os homens com uma cortina de fumaça, nivelando-os como se fossem todos trogloditas. Aquele cara que você vê berrando com o juiz num estádio de futebol, acredite: é um cara que ouve Chico Buarque, que aliás, como bom representante da espécie, também adora uma pelada. Aquele outro azarando uma garota quer transar com ela, sim, mas também gosta de Piazzolla, João Gilberto, ou sei lá, do Abba, que seja, o que importa é que ele se emociona, do verbo emocionar. Homens choram, homens se arrependem, homens sonham, homens se declaram. Apenas não deixam vazar.
O rótulo de insensíveis, garanhões e calculistas só não muda porque eles não desmentem a fama ora, pega bem. As pessoas morrem de rir com suas cafajestices contadas em mesas de bar. Esta não é uma tese sociológica, psicológica ou que tenha qualquer lógica. São apenas observações de uma cronista que tem amigos bacanas, homens que não se enquadram no perfil brucutu, e que espera que eles procriem e passem o bastão para seus filhos, que um dia serão novos homens, novos mesmo. se há os que preferem (ou precisam) manter a fama de maus, como recomendava Erasmo Carlos ("ele é o bom, é o bom, é o bom"...),que mantenham. Mas por trás desta propaganda enganosa há produtos de primeira qualidade, boicotando a si mesmos ao não se permitirem ser tão legais em público quanto o são em segredo.


(Martha Medeiros)

cine Paradiso

  • Amelie Poulain